‘Porque’ ou ‘por que’? Uma armadilha bem brasileira

porque sim fotolia1. “Analisando essa reforma ministerial, eu me pergunto porque a presidente, que tem fama de esquentada, não deu logo um soco na mesa.”

2. “Você pensa que está a salvo da crise só por que é funcionário público?”

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O uso equivocado de “porque” e “por que” nas frases acima (sim, eles deveriam trocar de lugar) se deve a uma das armadilhas mais traiçoeiras do português brasileiro.

Aprendemos na escola uma regrinha simples: “por que” é usado em construções interrogativas e “porque”, conjunção explicativa ou causal, em construções afirmativas.

Como regra geral, vale. O problema é achar que o ponto de interrogação liquida a questão: se existe, é “por que”; se não existe, “porque”. Não é bem assim – ou nem sempre é assim.

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A frase 1 não tem ponto de interrogação, mas é interrogativa. Interrogativa indireta é como a classificam. O macete aqui é fazer o teste da razão: usamos duas palavras separadas quando for possível substituir “por que” por “por que razão”: “…me pergunto por que (razão) a presidente não deu um soco na mesa”.

Repare que também se usa “por que” numa construção semelhante, mas não interrogativa: “Analisando a reforma ministerial, você entende por que (razão) os eleitores do governo se sentem traídos”.

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O exemplo 2 traz o problema oposto: temos uma interrogação clara, mas a oração introduzida pela conjunção “porque” não faz parte dela. O verbo que se interroga é “pensar”, enquanto “é funcionário público”, fato inquestionável, pertence a uma possível resposta que a frase antecipa:

– Por que você pensa que está a salvo da crise?

– Porque sou funcionário público.

É por isso que aquele teste da razão dá negativo aqui: “…só por que razão é funcionário público” não faz o menor sentido. Portanto, escrevemos “…só porque é funcionário público”.

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Para quem fala inglês, outro truque útil é traduzir por why e because. No exemplo 1 temos why, “por que”. No 2, because, “porque”. Simples assim.

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Estamos falando de uma armadilha bem brasileira. Em Portugal é diferente: simplificaram, usam “porque” tanto na pergunta quanto na resposta. Menos uma casca de banana. Nossa gramática bem que podia ir atrás, mas no momento isso não parece estar no horizonte.

4 pensamentos sobre “‘Porque’ ou ‘por que’? Uma armadilha bem brasileira

  • 02/10/2015 em 16:43
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    Em espanhol existe o mesmo problema. Uma das dezenas de possibilidades de tradução:

    1. “Analizando esa reforma ministerial, me pregunto POR QUÉ la presidente/presidenta, quien tiene fama de nerviosa, no dudó en dar un golpe en la mesa.”

    2. “¿Piensas que estás a salvo de la crisis solo PORQUE eres fucionario?”

    Mais aqui: http://www.fundeu.es/recomendacion/porque-porque-por-que-y-por-que-935/

    E em Portugal não é tão simples assim: https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/porque-por-que-e-porque/243

    • 02/10/2015 em 18:54
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      Em Portugal se usa “porque” em TODOS os casos citados no meu texto. Sim, é simples assim. Basicamente, o uso lusitano de “por que” se restringe a construções em que há preposição + pronome relativo, de uso menos comum por aqui (costumamos dar preferência a pelo/pela qual): “A prenda por que brigamos vale a pena”. Ou em construções interrogativas semelhantes a essa, em que o “que” escolta um substantivo: “Por que (qual) prenda brigamos?”.

  • 15/10/2015 em 17:43
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    “O Pedro está doente, daí porque ele não vai sair hoje.” O porquê foi empregado corretamente? Em frases semelhantes a essa, vi bons professores utilizarem também a forma “por que”. Pensando, achei que os dois porquês são possíveis: o “porque” explica, ok; e no uso de “por que” fica subentendido “daí o motivo pelo qual…”. Podemos usar, nesse caso, as duas formas ou somente uma é correta? Agradeço antecipadamente a atenção.

    • 15/10/2015 em 19:06
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      Apenas a forma “daí (ou eis) por que ele não vai sair hoje” é considerada correta na gramática brasileira. Em Portugal, sim, o certo é “porque”. Também seria possível a construção “daí o porquê de ele não sair hoje”.

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